domingo, 6 de março de 2011

A FELIZ CULPA


foto Sonia Maciel


Namaskar!
Recebi este texto e achei-o muito bom.
Espero que vocês também gostem.
André Maciel - Amshumán

por Rosana Biondillo

Pensando nessas coisas que dizem pra gente sobre culpa e arrependimento.

Dizem por aí que a gente não deve se sentir culpado de (quase) nada e nem se arrepender daquilo que faz. Dizem também que a culpa seria uma "invenção" ligada às religiões e que corroboraria com as noções de pecado e punição, de crime e castigo.

Obviamente, muitas religiões baseiam-se nessa concepção e a explicam de acordo com seus dogmas, doutrinas e convenções. Mas o estudo teológico dispensado a esse complexo tema é fascinante - além de me parecer ser intrigante e reconfortante ao mesmo tempo.

E a pergunta, aquela que me incomoda, que me faz pensar sobre esses seculares discursos prontos, que se propõem a justificar a inocuidade e inutilidade da culpa em benefício próprio, é:

Será que alguém, em sã consciência, pode negar a utilidade da culpa para além de si mesma? E qual seria o momento desencadeante dessa possível utilidade?

Baseada numa abordagem da antropologia teológica cristã, resumida e simbolicamente, poderíamos dizer que o primeiro culpado do mundo foi Adão. Adão foi também o primeiro pecador. E essa culpa original, advinda do que se convenciona chamar de pecado original, poderia ser considerada uma culpa feliz. Porém, essa culpa é feliz não em si mesma, mas a partir de sua releitura atualizada.

Essa nova leitura, que regenera e redime a culpa adâmica, nasce com a "morte" do Cristo. É a figura de Jesus Cristo que liberta Adão do cárcere não só do pecado como da culpa.

Interessante dizer aqui que o pecado pode ou não ser assumido enquanto tal, isto é, me parece ser uma questão de valoração individual assumir ou não uma culpa enquanto representação de um pecado. Se toda culpa é um pecado, não pretendo senão sugerir a reflexão a respeito. Entretanto, não fora o arrependimento e seu momentum, muito provavelmente não haveria a libertação da culpa. A culpa seria eternamente culpa, sem possibilidade de mudança.

Nesse contexto de momento do arrependimento, portanto, teríamos a possibilidade de uma feliz culpa. E é nesse contexto, também, que o arrependimento assume o valor de ponte redentória entre os territórios da culpa e da verdadeira transformação vindoura, como que transmutando o que foi erro em acerto, o mal em bem, a perda em ganho.

A culpa feliz só existe a partir do filtro do arrependimento que gera a redenção e a regeneração, que é a ação original regenerada e, agora, colocada num novo e inédito contexto. É como se saíssemos da ignorância e da piedade do culpado, que ainda não sabe nem o que fez e nem o que fazer, para a consciente compaixão do arrependido, que já sabe o que fez e quer fazer diferente. É como se saíssemos da condição adâmica para a condição crística, numa imagem que vai da árvore à cruz, do paraíso ao calvário, e que segue adiante até chegar e tocar a cada um, individualmente.

Como já disse, se toda culpa é também pecado, eu não sei, mas fica aberta a discussão. Mas que é no momento do arrependimento que se pode ter a chance de superar a culpa de uma maneira que sinalize para a felicidade, isso, por enquanto, eu sinto que pode ser.

Quanto à discussão, essa continua aberta, é claro!

Rosana Biondillo

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